Arquitetura de reciclagem: reutilização de resíduos e sucata
Quem constrói com material reciclado evita a produção de resíduos, economiza energia e ajuda a preservar o meio ambiente. Mas a arquitetura de reciclagem traz ainda mais vantagens. Os artistas berlinenses Folke Köbberling e Martin Kaltwasser mostram como ela pode contribuir para reconquistar espaços urbanos. E o escritório Karo Architekten, de Leipzig, projeta tipologias novas sobre bases antigas.
Os artistas conceituais berlinenses Folke Köbberling e Martin Kaltwasser costumam usar materiais encontrados nas ruas, doados ou descartados para suas construções e instalações. Eles utilizam – em suas próprias palavras – “a cidade como recurso”. Com resíduos domésticos, paletes e antigos elementos usados originalmente em cenários, eles projetaram, em 2012, um portão de entrada temporário para o pavilhão Jahrhunderthalle, em Bochum – uma paisagem urbana que cerca de 200 voluntários ajudaram a construir. “Dependemos do auxílio dos moradores e demais interessados para a coleta, seleção e corte dos materiais e, principalmente, na fase de criação e construção. Desta forma, nossos trabalhos geram intercâmbio e comunicação”, explica Folke Köbberling.
Sentimento de comunidade e “espaços abertos a possibilidades”
Além da sensação de fazer parte de uma comunidade, existente entre os participantes do projeto, surgem também “espaços abertos a possibilidades”. Como explica Folke Köbberling: “Queremos recuperar esses espaços, pois eles dão provas de que existem formas mais múltiplas de convívio urbano do que as simples posturas comerciais, orientadas pelo consumo”. Há mais de dez anos, o duo de artistas vem exercendo esta reconquista de espaços de diversas maneiras. Em 2004, por exemplo, eles ergueram num terreno baldio em Berlim, no decorrer de uma noite, uma casa feita de restos de madeira. Em 2010, usando caixas de verduras e compensado, eles construíram um teatro temporário, mas em plenas condições de funcionamento, de nome Jellyfish, em Londres. Já em 2011, o duo transformou 32 mil copinhos de plástico, jogados fora durante eventos esportivos, numa cobertura resistente e impermeável para um festival na Casa das Culturas do Mundo, em Berlim.
Com suas construções que poupam recursos, feitas de sucata e materiais gratuitos, Köbberling e Kaltwasser não questionam apenas a lógica tradicional de aproveitamento de materiais. Em seus projetos, eles também dão mostras de estratégias simples para o reavivamento e a reapropriação de espaços urbanos: uma quota de participação máxima dos moradores e recursos financeiros mínimos. “Através de estruturas construídas por nós mesmos e uma arquitetura baseada em materiais encontrados no local, mostramos como pode se desenvolver uma forma aberta e mais comunicativa de urbanismo”, explica Folke Köbberling.
Redes de troca de materiais em lugar de depósitos de lixo
Descartar num depósito de lixo materiais de construção usados em bom estado é um desperdício de recursos. Esta não é uma opinião exclusiva de arquitetos defensores da reciclagem, mas também dos organizadores de redes de troca de materiais de construção usados. Eles recolhem materiais restantes de reformas ou demolições e oferecem os mesmos para que sejam reutilizados. Hoje, já existem redes de troca de materiais de construção usados em 11 cidades alemãs, entre elas Bremen, Augsburg, Hannover e em algumas cidades menores. Em 2012, em Saarbrücken, foi inaugurado até mesmo um mercado de materiais de construção de segunda mão.
Biblioteca ao ar livre construída com materiais reciclados
O escritório de arquitetura Karo Architekten também chegou à conclusão de que muitas pessoas valorizam a reciclagem na hora de construir. O escritório foi responsável pelo projeto do “Lesezeichen Salbke”, uma biblioteca ao ar livre inaugurada em Magdeburg em 2009. Em forma de “L”, com estantes embutidas e nichos de assentos para leitura forrados de madeira, ela fica em frente a uma área verde e um pequeno palco. O elemento mais chamativo da construção é a fachada, composta de elementos reciclados de alumínio, peças em forma de favos que antigamente decoravam a fachada de uma loja demolida em Hamm, na região da Vestfália. “A forma e a função do projeto Lesezeichen foram desenvolvidas em diálogo com os moradores”, conta Stefan Rittich, do escritório Karo Architekten. “O uso de materiais reciclados resultou deste processo de participação. Muitos moradores engajados defenderam este uso”, completa o arquiteto.
O projeto começou como intervenção experimental no espaço urbano. A ideia de uma grande parede coberta de livros, desenvolvida conjuntamente por moradores e pelos arquitetos do Karo Architekten, foi concretizada por eles em 2005, utilizando mil engradados de cerveja e livros doados. Aprovado no quesito funcionalidade, o “Lesezeichen Salbke” pôde ser construído permanentemente com recursos do governo federal. Porém, o projeto, diversas vezes premiado, vem passando por uma árdua prova, pois jovens com tendências ao vandalismo também fazem uso do espaço. As consequências: vidros pichados e livros rasgados. Stefan Rettich defende que “o município tem a obrigação de tomar uma atitude para garantir a ordem”.
Nova interpretação de testemunhos da história
O escritório Karo Architekten – fundado em 1999 em Leipzig, e cujo nome é um acrônimo de “Kommunikation, Architektur, Raumordnung” (comunicação, arquitetura, organização espacial) – utiliza os materiais (de construção) disponíveis também em outros contextos. Em seu projeto para o Monumento à Liberdade e à Unificação da Alemanha, planejado para a cidade de Leipzig, os arquitetos propõem o uso de tijolos moldados provenientes do edifício onde funcionava a Stasi, a polícia política da ex-Alemanha Oriental, para construir uma “Sala da Democracia”. Esta deve ficar à disposição de qualquer pessoa que queira exercer suas liberdades democráticas, como por exemplo, na organização de uma passeata. Neste caso, reciclar significa também recontextualizar os testemunhos em pedra e concreto da história, revendo seus valores e renovando sua interpretação.
No projeto de moradia “Haus@Hochparterre”, os arquitetos mostram que estes processos também tornam possível o desenvolvimento de tipologias completamente novas. Trata-se de um proposta para a revitalização de cidades que vêm perdendo moradores, seja na Saxônia-Anhalt ou na região do Vale do Ruhr: as bases sólidas de prédios decadentes do Período Guilhermino (século XIX) são preservadas, inclusive o espaço comercial e a entrada pomposa. Por cima, podem ser construídas novas residências unifamiliares. Stefan Rettich comenta a ideia: “A preservação das bases do prédio faz com que as casas novas se integrem a uma paisagem urbana à qual os moradores já estão acostumados – uma contribuição importante para a identidade da rua”, conclui.
Elisabeth Schwiontek
é jornalista freelancer. Vive em Berlim.
Tradução: Renata Ribeiro da Silva
Copyright: Goethe-Institut e. V., redação online
Outubro de 2012
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