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segunda-feira, 8 de junho de 2015

David Adjaye diz que "A arquitetura se tornou desnecessária"


REVISTA ÉPOCA

IDEIAS


David Adjaye: “A arquitetura se tornou desnecessária”


O criador do projeto do Museu Afro-Americano de Washington, a obra de maior prestígio em construção no mundo, diz que a internet e a ecologia mudaram o papel dos arquitetos

MARCELO MOURA
02/06/2015 - 08h00 - Atualizado 02/06/2015 08h00

RAÍZES LOCAIS David Adjaye no Museu da Casa Brasileira,  em São Paulo.  “A cidade tem uma natureza fantástica”, diz (Foto: Leticia Moreira/ EPOCA)




O National Mall em Washington, capital dos Estados Unidos, é um resumo oficial da história americana. Em torno da esplanada de 1,2 milhão de metros quadrados estão edifícios como o Capitólio, sede do Poder Legislativo, o Museu da História Americana, o Museu de História Natural, o Jardim Botânico, o Museu do Ar e do Espaço. Restava apenas um terreno disponível. Ele foi destinado ao Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, com inauguração prevista para 2016. A concorrência para desenhar o museu, o projeto arquitetônico de maior prestígio então em disputa nos Estados Unidos, foi ganho por David Adjaye, um artista jovem – ele tem 48 anos – para os padrões do olimpo da arquitetura mundial. “Bobagem”, disse Adjaye, quando veio ao Brasil a convite do seminário Boom SP design. “Oscar Niemeyertinha quase a minha idade quando projetou Brasília.” Filho de um diplomata, Adjaye conheceu a arquitetura brasileira em sua infância, em Gana, quando a capital do país, Acra, confiou sua urbanização a estrangeiros. 
ÉPOCA – A internet permite consumir cultura, fazer compras, conhecer e dialogar com pessoas. Qual o papel da arquitetura em um mundo que passou a depender menos dos espaços físicos?
David Adjaye –
 Para mim, está bastante claro que a emoção e os sentimentos inspirados pela arquitetura nunca foram tão importantes quanto agora. O aspecto funcional dos edifícios, de fato, se perdeu bastante. Quando a arquitetura está presente agora, ela realmente precisa ser performática. Proporcionar experiências nos planos emocional, social e cultural. Creio que não há ironia quando, hoje, mais e mais pessoas adoram edifícios antigos. Esses prédios antigos conseguem despertar emoções. Acima da função do edifício, acima da funcionalidade, estão o poder emocional e as lembranças atreladas a ele. O mundo da construção civil precisa entender que as pessoas não farão mais o investimento de sair de casa se o lugar de destino for incapaz de torná-las melhores. A nova arquitetura sai do diagrama modernista, que buscava integrar nossas vidas, para um diagrama que busca nos inspirar.
ÉPOCA – Qual o papel de um museu quando a internet permite caminhar virtualmente por galerias do mundo inteiro, sem sair de casa?
Adjaye – 
Seguindo o raciocínio que expus anteriormente, o Museu de História Africana tem a ambição de ser um espaço capaz de transmitir sensações. Ser uma caixa de experiências, em vez de uma mera sequência de corredores ocupados por artefatos trazidos de algum outro lugar.
ÉPOCA – Onde o senhor se inspira para criar edifícios relevantes?
Adjaye –
 Em meu trabalho, sempre tento ver o que posso fazer com os recursos que recebi e onde estou. Tento entender as dificuldades e oportunidades de cada comunidade, como meu projeto ajudaria a lidar com as preocupações locais e como construir condições para uma melhor qualidade de vida. Democratizar espaços, materiais, o uso da natureza. Responder a essas questões requer a análise do lugar. Hoje, me interesso mais pelas transformações sociais e pela diversidade cultural do que propriamente pela arquitetura.

ÉPOCA – A arquitetura, em certo sentido, se tornou desnecessária?
Adjaye – 
Basicamente, sim. Não chega a ser inútil, mas a arquitetura tornou-se desnecessária. Essa relativa desimportância é desafiadora, porque obriga o arquiteto a pensar se ele realmente tem uma ideia relevante a apresentar. Pensar muito. “Por que estou fazendo isso? Eles não precisam de mim.” Você pode comprar pela internet projetos de casas já prontos e a indústria da construção é capaz de erguer. Constroem coisas assim em todo lugar. É profundamente feio, mas é tecnicamente viável. Então, para um arquiteto, o que construir e como construir tornam-se muito importantes. O mistério saiu da caixa. A internet acabou com isso. Você precisa fazer algo mais. Precisa criar. A internet destruiu uma parte da profissão e elevou outra parte. A arte ganhou importância, e a técnica perdeu.
"A arquitetura hoje em dia precisa ser performática, precisa provocar emoções. Não basta ser funcional. Tem de nos inspirar"
ÉPOCA – Qual sua opinião sobre o trabalho dos arquitetos estrelas que, especialmente a partir da década de 1990, afirmaram-se como celebridades, ao construir edifícios suntuosos?
Adjaye –
 A exuberância como um fim em si não me empolga, assim como não me empolga a imposição de modelos universais de arquitetura. A arquitetura deve criar produtos únicos, que não são mais caros do que um edifício convencional. O que lhes dá exclusividade não é o custo de suas soluções, mas a integração ao lugar onde estão. A arquitetura se tornou, por necessidade, uma forma de arte global. Acabou o colonialismo. A linguagem clássica da arquitetura, nos primeiros dias, era mostrar que o império havia chegado a toda parte. Nós deixamos isso para trás. Não há mais império em lugar nenhum. Há diferentes lugares, diferentes psicologias e diferentes ecologias. O que estou interessado em fazer em um lugar não será necessariamente viável em outro. Devemos cultivar a variedade de ideias, pois contribuem para uma melhor qualidade de vida.
ÉPOCA – Durante a faculdade, o senhor reservou alguns meses para conhecer cidades pelo mundo, entre elas São Paulo. Por que seu interesse pelo Brasil?
Adjaye – 
Tenho muita empatia com o Brasil. Aqui, a natureza tem similaridades com a da África. Eu vim de Gana, minha família é de lá. Nos anos 1960, após a independência, o país contratou diversos arquitetos do exterior. Áreas de Acra, onde eu cresci, foram construídas por brasileiros. Isso tem influência no Brasil e na retribuição à África. Adoro esses ciclos. Para mim, é muito fácil entender a arquitetura brasileira. Adoraria trabalhar aqui.
ÉPOCA – Quanto sua carreira como arquiteto foi influenciada por prédios desenhados por brasileiros em Acra?
Adjaye –
 Quem sabe de onde vêm as influências? Sei que aproveitei o Modernismo brasileiro durante a infância, nos anos 1960. As cidades na África estavam em franco crescimento, com prédios novos feitos por estrangeiros. Claro que essa modernidade tropical é parte do meu DNA, parte de como eu vejo o mundo. Depois, fui estudar na Europa. Meu pai era um diplomata, então eu me mudei muitas vezes. Acabei me tornando uma espécie de ponto de fusão de culturas do mundo todo.
ÉPOCA – O que chama sua atenção em suas visitas a São Paulo, ao longo de três décadas?
Adjaye – 
São Paulo tem uma densidade e uma natureza fantásticas. É possível estar num jardim maravilhoso como esse, com árvores tropicais, perto do centro. Isso é o melhor.
ÉPOCA – E o pior?
Adjaye –
 A cidade tem enormes dificuldades de mobilidade social. E de mobilidade física, devido aos congestionamentos. Ir de um canto a outro em São Paulo deve levar mais tempo que voar até a Buenos Aires.
ÉPOCA – Como as grandes cidades podem resolver seus problemas de trânsito?
Adjaye –
 Eu não sei. Há uma paralisia. Talvez a solução esteja na tecnologia, talvez esteja em repensar o que é uma cidade e como a usamos. Minha pergunta é: o que deve valer o sacrifício de sair de casa? Por que toleramos essa paralisia absoluta? Haverá um dia, no meio dessa paralisia, em que alguma revolução vai acontecer. O momento está chegando. É inevitável.
ÉPOCA – Qual o simbolismo de um museu dedicado à África no National Mall, uma área nobre da história oficial dos Estados Unidos?
Adjaye – 
Esse museu apresenta uma nova direção na forma como nós, negros, falamos sobre nossas vidas e como falamos com outros grupos. Os afro-americanos são centrais à experiência americana, mas não foram reconhecidos propriamente até agora. Os Estados Unidos dão um passo fundamental ao afirmar que descendentes de africanos são tão importantes quanto quaisquer outros na memória desse país. Meu projeto procura celebrar isso, apresentar o legado dos negros escondido por séculos embaixo do tapete. Também procura mostrar quão longe estamos distantes de superar essa dificuldade.  
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